A reforma trabalhista aprovada pela Câmara prevê que funcionários poderão trabalhar mais tempo em ambientes insalubres aqueles que apresentam riscos à saúde mesmo sem autorização do Ministério do Trabalho.
Segundo o texto aprovado pela Câmara, acordos e convenções coletivas entre patrões e empregados poderão definir o aumento da jornada de trabalho nesses locais, “sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho”.
Atualmente, normas do ministério definem o que causa a insalubridade (como calor, frio, barulho, químicos ou radiação) e os limites de quantidade e tempo que os trabalhadores podem ficar expostos a eles.
O texto da reforma não especifica quanto tempo a mais, no máximo, os trabalhadores poderão ficar nesses ambientes, mas a maior jornada possível para qualquer trabalho será de 12 horas por dia, no caso da 12 x 36, em que o funcionário trabalha 12 horas, e folga nas 36 horas seguintes.
Assim, um acordo poderá definir qualquer duração de jornada, desde que respeitado esse limite máximo, segundo a assessoria do deputado Rogério Marinho (PSDNRN), que foi o relator da matéria na Câmara.
Especialista critica extensão
Marcia Bandini, presidente da Anamt (Associação Nacional de Medicina do Trabalho), afirma que os padrões definidos nas normas do ministério são baseados em estudos técnicos e, em alguns casos, seguem tendências internacionais.
Todos eles levam em conta uma jornada máxima de oito horas. Qualquer aumento nesse tempo exigiria mudanças nas normas e limites, segundo ela, que vê com preocupação a possibilidade de aumento da jornada. “Tecnicamente falando, não caberia essa extensão”, afirma.
“Tudo o que a gente sabe sobre os efeitos, em especial dos agentes químicos e de alguns agentes físicos, como radiação e ruído, é estudado dentro da jornada de oito horas”, diz. “Eu não posso extrapolar o limite de oito horas para uma jornada de 12 horas.”
Riscos à saúde
A presidente da Anamt cita como exemplo o ruído. A norma do Ministério do Trabalho determina que uma jornada de oito horas só é permitida em um ambiente com barulho contínuo de até 85 decibéis que seria o equivalente ao barulho de uma avenida muito movimentada em uma grande metrópole.
“Acima de 80 decibéis a gente já tem risco de perda auditiva. E perda auditiva por causa do ruído é irreversível”, afirma.
Se o ruído sobe para 86 decibéis, o tempo limite de jornada cai para sete horas, de acordo com a norma. Quanto maior o barulho, menor o tempo permitido. Quando chega a 115 decibéis, o limite máximo de tempo de trabalho no local é de sete minutos.
“Quando a gente passa de 8 horas para 12 horas, esse limite deveria cair para 76 decibéis, que é [o equivalente a] um escritório onde as pessoas estão falando muito”, diz a presidente da Anamt.
Cada agente que causa a insalubridade tem características e riscos particulares, e nem todos podem ser delimitados pelo tempo de exposição.
Um técnico de raiox, por exemplo, deve trabalhar com um medidor para acompanhar o nível de radiação a que está exposto durante o trabalho, segundo Bandini. Quando a dose ultrapassa certo limite, o correto é ele interromper o trabalho e ficar afastado por um determinado tempo.
A radiação causa câncer e, quanto maior a exposição a ela, maior o risco de desenvolver a doença.
MPT vê contradição na reforma
O texto da reforma lista 29 pontos que não poderão ser alterados por convenção ou acordo coletivo, entre eles “normas de saúde, higiene e segurança do trabalho previstas em lei ou em normas regulamentadoras do Ministério do Trabalho”.
Em nota técnica do Ministério Público do Trabalho (MPT), o procuradorgeral do Trabalho, Ronaldo Curado Fleury, diz que há “contradição crassa” entre a possibilidade de o acordo mexer na insalubridade e, ao mesmo tempo, proibir alterações que afetem a saúde do trabalhador.
“Apesar de não permitir a prevalência do negociado sobre o legislado para reduzir ou suprimir direitos relacionados à segurança e saúde do trabalhador, admite que o enquadramento da insalubridade e que a prorrogação de jornada em ambientes insalubres, atividades eminentemente técnicas, sejam fixadas por meio de negociação coletiva”, afirma no texto, que pedia que a Câmara rejeitasse parcialmente a reforma.
Para o relator Rogério Marinho, não há contradição, porque a negociação não poderá modificar a norma do Ministério do Trabalho.
“A insalubridade já foi definida anteriormente. Já está definido por lei. Você tem um laudo dizendo que é insalubre ou não é insalubre. Você não está alterando o laudo. Você está mexendo com jornada, não com a questão da insalubridade”, afirma Marinho.
Enquadramento de grau
Além do aumento da jornada, a reforma diz que acordos poderão definir o “enquadramento do grau de insalubridade”.
No caso do enquadramento de grau, segundo Marinho, o acordo entre empregados e patrões poderá indicar em qual dos três níveis de insalubridade estabelecidos atualmente pelo Ministério do Trabalho se encaixa uma função específica: mínimo, médio ou máximo.
O grau de insalubridade determina, por exemplo, de quanto será o adicional de salário que o funcionário vai receber por trabalhar naquelas condições: 10%, 20% ou 40%. Quem trabalha em ambientes insalubres também pode se aposentar antes dos demais.
“O substitutivo diz que é possível, no acordo ou convenção, deixar claro quais funções se encaixam nos graus de insalubridade que são definidos pelo Ministério do Trabalho”, afirma o deputado.
Reforma dispensa parecer técnico
O procurador Paulo Joarês Vieira, coordenador nacional da área de combate às fraudes em relações de trabalho do MPT, afirma que um engenheiro ou médico do trabalho enquadram o grau de insalubridade de uma função, com base em critérios técnicos.
Atualmente esse enquadramento pode ser feito pela própria empresa, que contrata o perito, ou em outras situações, como após determinação judicial em um processo trabalhista, ou ainda na própria fiscalização dos órgãos, afirma o procurador.
O texto da reforma, porém, não cita expressamente se será necessário algum parecer técnico elaborado por um perito para embasar esse enquadramento.
Questionada pelo UOL, a assessoria do deputado afirmou que não há necessidade de que essa obrigação esteja escrita no texto, porque acredita ser “natural do processo (de negociação) que isso seja enquadrado por um perito”.
Ainda assim, reconhece que um acordo feito sem apoio de um técnico não poderia ser considerado ilegal.
Paulo Joarês Vieira critica a possibilidade de a negociação determinar o grau de insalubridade da função em vez de um técnico, e que isso pode ser “bastante prejudicial ao sistema de proteção à saúde dos trabalhadores”.
“A perícia técnica é uma oportunidade em que poderá ser constatada a exposição a níveis acima dos limites de tolerância e que oferecem grave risco à saúde dos trabalhadores, alertando as autoridades e o próprio empregador para a necessidade de adoção de medidas de proteção”, afirma o procurador do MPT.
A reforma afeta ainda outro ponto relacionado à insalubridade: gestantes e quem está amamentando poderão trabalhar em ambientes insalubres se isso for autorizado por um atestado médico. No caso das grávidas, isso só não será possível se a insalubridade for de grau máximo.
Fonte: UOL
Diretoria Executiva da CONTEC