Sobrecarga da pandemia faz 30% das mulheres pensarem em deixar o emprego

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“Meu filho de 14 anos está tendo aulas de francês na cama, o de 12 anos está me pedindo comida e eu não tenho, o de 10 está se recusando a ler e o de 8 está no meu colo enquanto faço chamadas aprendendo a ser multitarefa”, publicou Rachel Mushahwar em abril de 2020, na época à frente de uma das vice-presidências da Intel e quatro filhos no auge do isolamento social.

A dificuldade de gerenciar o volume de trabalho do home office e o acúmulo de atividades domésticas relatado pela executiva fizeram com que 30% das mulheres cogitassem deixar o emprego desde o início da pandemia. Esse é o retrato de uma pesquisa realizada pela Kearney, consultoria global de gestão estratégica, com mil mulheres nos Estados Unidos.

Sandra Strogren, gerente sênior de recursos humanos da Kearney Brasil, diz que esse cenário de caos identificado na pesquisa americana foi também vivido por aqui. “Temos conversado com muitas mulheres nesse período, as que não têm filhos mostram insatisfação com o aumento do volume de trabalho, o isolamento e a falta de relacionamento com lideranças e pessoas-chave. Já as casadas e com filhos, além de tudo isso, ainda reclamam do aumento dos afazeres em casa e a falta de uma rede de apoio”, diz.

As entrevistadas na pesquisa da Kearney tinham entre 25 e 45 anos, carreiras consolidadas e grande potencial de crescimento em suas empresas. Com o início da pandemia, cerca de 30% migraram para o home office, 20% já trabalhavam principalmente em casa e 50% continuaram no escritório.

As que adotaram o trabalho remoto relatam mais barreiras profissionais, como carga de trabalho elevada, menor acesso a oportunidades de desenvolvimento, menor motivação pessoal e baixa sensação de bem-estar.

“No virtual, as reuniões são mais formais, o que cria uma barreira de acesso às lideranças, porque agora não tem mais aquela conversa de corredor, no horário do café, não há tanto espaço para a informalidade, e isso afeta principalmente as mulheres”, explica a gerente da Kearney Brasil.

Pandemia trouxe mais trabalho e menos satisfação
Uma pesquisa realizada por Gênero e Número e SOF (Sempreviva Organização Feminista) mostrou que 50% das brasileiras passaram a realizar atividades de cuidado, de uma criança ou de um idoso, por exemplo, na pandemia. Por outro lado, 41% das que continuaram no emprego sem redução salarial relataram aumento na carga de trabalho. Ou seja, o tempo continua o mesmo, mas o estresse aumentou significativamente.

Sandra Strogren explica que, do lado das empresas, o problema é que muitas não se deram conta de que trabalho remoto não é sinônimo de flexibilidade, e ainda exigem de seus colaboradores o cumprimento de horário. No caso das mulheres, o desafio é maior por conta de atividades domésticas, da falta de ajuda e do cuidado com os filhos, que passaram também a estudar em casa.

“Flexibilidade é permitir que o funcionário entregue um trabalho independentemente se vai levar uma hora ou 30 minutos, desde que tenha qualidade. É estar menos preocupado com o relógio e entender que cada pessoa pode criar uma rotina que se adapte melhor”, diz Strogren.

Pesquisa da Kearney mostrou que 70% das mulheres relataram ter horários iguais ou até mais rígidos do que antes da pandemia nas empresas. Soma-se a isso o fato de que 42% que estão em trabalho remoto relataram dificuldades em gerenciar o volume de atividades.

Sem flexibilidade e com mais trabalho, há uma queda no rendimento e o aumento de casos de burnout. Entre as mulheres, a saída para tanto estresse pode ser um pedido de demissão. “Quando você perde uma funcionária, o negócio perde em qualidade, porque seu ativo, tudo o que ela acumulou até aquele momento, vai junto”, diz a gerente da Kearney.

Políticas mais exíveis favorecem as mulheres
A especialista diz que, o quanto antes, as empresas precisam entender que as funcionárias têm realidades diferentes da maioria dos homens. A partir disso, devem criar espaços de acolhimento, ferramentas de diagnóstico e alternativas para que adaptem o trabalho aos seus contextos e necessidades.

“Nós temos, por exemplo, funcionárias que decidiram começar seu horário de trabalho no período da tarde, porque de manhã há maior demanda na casa e dos filhos. Também criamos um menu de opções para tentar melhorar a qualidade de vida, em que os times podem escolher, por exemplo, bloquear um horário na agenda para fazer um almoço mais longo ou para atividades pessoais”, conta ela, sobre o trabalho da consultoria.

A adoção de políticas mais flexíveis também permite que mulheres retornem da licença-maternidade mais motivadas e seguras.

Na Kearney, foram criadas ferramentas virtuais para facilitar a integração, como happy hours e encontros informais com lideranças, e um projeto mundial chamado “rede de mulheres”, onde lideranças femininas podem compartilhar medos, estratégias e desafios em grupo.

“Antes da pandemia, já era difícil, por exemplo, ser a única mulher em uma reunião. Agora isso se acentuou, porque não temos as mesmas conexões de antes, o que gerou mais insegurança”, afirma Sandra Strogren.

Para as empresas, diz a gerente de RH, a saída neste momento é buscar formas de ajustar o fluxo de trabalho e ajudar seus colaboradores a estabelecerem limites em suas cargas horárias; adotar políticas mais flexíveis de trabalho, focando menos nas horas de dedicação e mais nos resultados; e criar espaços para que líderes se conectem com seus subordinados.

Fonte: UOL

Diretoria Executiva da CONTEC